Ipsis Litteris

Revisão de textos



domingo, 21 de novembro de 2010

Sartre explica

Assisti ontem ao documentário Chico Buarque – Vai Passar. Sou louco por Chico. Amo aquelas músicas que cantam a alma feminina.

E ouvir um artista falar de sua própria obra é sempre revelador e, por vezes, desconcertante, pelo menos para os estudiosos da sua obra. No referido documentário, Chico, entre outras coisas, afirma que Apesar de você não foi endereçada a Emílio Garrastazu Médici, presidente do Brasil entre 1969 e 1974; e, respondendo ao questionamento de um estudante, nega que sua obra musical seja cronologicamente divisível em poética e engajada.

A partir de considerações como estas, um sem-número de teorias e estudos perdem seu fundamento, mas não sua legitimidade enquanto possibilidade de interpretação, pois, como sustenta Sartre, em O que é literatura, o objeto literário, segundo Sartre, é como um pião que somente existe enquanto em movimento.

Explico-me. Segundo Sartre, o autor não escreve para si mesmo (o que seria o pior fracasso), mas para os outros. Ao leitor, que deve ser distinto do autor, visto que o ato da leitura implica expectativa, cabe a missão de completar o projeto empreendido pelo autor em sua obra: transformar o mundo e assegurar a liberdade (de existir).

Ora, autor e leitores têm suas próprias experiências de vida (Erlebnis, em termo heideggeriano), o que implica expectativas – que se confirmam ou se refutam – e tomadas de posição dos leitores em relação à obra que leem.

Assim, aceitando-se o fato de que o sentido não é imanente à obra, mas uma relação construída entre autor e leitores e todas as implicações históricas, sociais, culturais etc. etc., pode-se legitimamente relacionar Apesar de você a Médici e, pelo menos, didaticamente, dividir a obra buarquiana segundo critérios poéticos e críticos.

Nenhum comentário: