Ipsis Litteris

Revisão de textos



terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Doutor, é urgência ou emergência?

É sempre com o cenho franzido que vejo no noticiário que, num determinado período do ano, normalmente em dias de feriado nacional, o pronto-socorro vai atender somente a casos de urgência e emergência. Dois pontos me incomodam na assertiva.

Pronto-socorro = pressa

Primeiramente, sempre entendi pronto-socorro como aquela parte de um hospital onde se presta atendimento de caráter urgente, em contraposição a ambulatório, por exemplo, cujo atendimento deve ser previamente marcado. E assim se lê no dicionário Houaiss:

pronto-socorro s.m. 1  hospital ou setor de um hospital onde se presta socorro médico de urgência <levar o acidentado para o p.>  2  p.ext. ambulância do pronto-socorro <chamar o p.>  3  p.ext. oficina de conserto de (algo) <p. de automóveis, de bonecas etc.>  ¤ gram pl.: prontos-socorros

Questiono-me, então, a necessidade de um hospital, ou o setor de um hospital, que só presta socorro médico urgente restringir seu atendimento aos casos de urgência. Estaria havendo desvio de função ou incumbência de funções outras ou extras todos os dias de expediente ordinário? Talvez seja apenas um caso de reforço argumentativo ou, então, de redundância.

Urgência ou emergência?

A minha hipótese: urgência e emergência são sinônimos e a redundância deita-se no cerne da segunda questão que me incomoda. Qual a diferença entre urgência e emergência? O recurso da consulta ao dicionário reforça minha hipótese:

urgência s.f. (1652) 1 qualidade ou condição de urgente <admirava-me a u. com que ele solucionava os problemas> 2 necessidade que requer solução imediata; pressa <tenho u. deste documento> 3 situação crítica ou muito grave que tem prioridade sobre outras; emergência <o médico atendeu a muitos casos de u.> ¤ etim lat. urgentìa,ae 'urgência, grande aperto ou necessidade', der. do lat. urgére 'apertar, comprimir, impelir'

Das acepções 2 e 3, pode-se depreender que um atendimento médico de caráter urgente envolve solução imediata para uma situação crítica ou muito grave.

Buscando-se respostas em websites de hospitais, lê-se no F.A.Q. do sítio eletrônico da cooperativa de trabalho médico e plano de saúde Unimed Inconfidentes (http://bit.ly/eHD2CY – acesso em 17 fev. 2011):

Os atendimentos são denominados de caráter de urgência quando tratam de quadros clínicos agudos, de início súbito, não habitual ao paciente, que impossibilitem a ida do mesmo ao seu médico assistente.

Tal definição ajusta-se bem à definição do dicionário que confirma minha hipótese de redundância e gera mais confusão, porquanto a sinonímia urgência-emergência não é expressamente cíclica. Veja-se a definição no dicionário para emergência:

emergência s.f. (1535) 1 ato ou efeito de emergir 2 situação grave, perigosa, momento crítico ou fortuito <numa e., foi preciso chamar a ambulância> 3 dispositivo de segurança instalado em elevadores, máquinas, meios de transporte coletivo etc. que deve ser acionado em situações difíceis 4 p.met. setor de uma instituição hospitalar onde são atendidos pacientes que requerem tratamento imediato; pronto-socorro 5 B N.E. infrm. briga, discussão, altercação 6 astr nascimento de um astro 7 ent m.q. eclosão 8 morf.bot qualquer excrescência especializada ou parcial em um ramo ou outro órgão, formada por tecido epidérmico (ou da camada cortical) e um ou mais estratos de tecido subepidérmico, e que pode originar nectários, acúleos etc. ou não se desenvolver em um órgão definido ¤ etim lat. emergentia, nom.ac. neutro pl. de emergens,entis 'que emerge' ¤ ant imergência

Para a análise da situação médico-hospitalar em questão, interessam as acepções 2 e, particularmente, 4, que, no entanto, não apresentam nunhuma novidade quanto ao que anteriormente foi tratado – no máximo, corroboram-no.

O F.A.Q. da Unimed Inconfidentes põe nos seguintes termos o atendimento emergencial:

Os atendimentos são denominados de caráter emergencial quando tratam de quadros clínicos agudos que impliquem risco de vida ou requeiram atendimento imediato,

o que também não traz inovação: as situações urgentes e emergenciais compartilham o quadro clínico agudo (em estado crítico) e estas requerem atendimento imediato, conforme definição lexical de urgência.

Com a palavra, o CFM

De modo a dirimir dúvida que possa surgir quanto à caracterização urgente ou emergencial do atendimento em pronto-socorro, o Conselho Federal de Medicina, nos termos da do artigo 1º e seus respectivos parágrafos da Resolução CFM nº 1.451/95, estabelece:

Artigo 1º - Os estabelecimentos de Prontos Socorros Públicos e Privados deverão ser estruturados para prestar atendimento a situações de urgência-emergência, devendo garantir todas as manobras de sustentação da vida e com condições de dar continuidade à assistência no local ou em outro nível de atendimento referenciado.
Parágrafo Primeiro - Define-se por URGÊNCIA a ocorrência imprevista de agravo à saúde com ou sem risco potencial de vida, cujo portador necessita de assistência médica imediata.
Parágrafo Segundo - Define-se por EMERGÊNCIA a constatação médica de condições de agravo à saúde que impliquem em risco iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo portanto, tratamento médico imediato.

Cotejando-se o texto dos parágrafos, evidencia-se que tanto o caráter imediato do atendimento médico quanto o risco (potencial ou iminente – tais adjetivos, numa perspectiva mais ampla, são sinônimos) de morte aplicam-se a ambos os conceitos analisados (com a corroboração da definição do dicionário) e não podem, portanto, ser fator de distinção.

Além do mais, como ambas as definições na lei falam em condições de agravo, resta apenas a condição de imprevisibilidade dos casos de urgência.

Assim, na pretensa tentativa de discriminar os conceitos de ‘urgência’ e ‘emergência’, a Resolução CFM nº 1.451/95 viu-se enredada no rebojo de conceitos sinônimos.

Risco de vida?

Cabe, ainda, consideração acerca da sempre equivocada expressão “risco [potencial/iminente] de vida”. Risco implica probabilidade de perigo – geralmente com ameaça física para o homem e/ou o meio ambiente – ou de insucesso de determinado empreendimento. De forma ou de outra, risco introduz uma oportunidade considerada negativa. Assim, a ideia contida no parágrafos do artigo 1º da lei em questão soaria convenientemente se fosse expressa nos termos “risco de morte”, supondo-se que vida/viver seja positivo e desejável, consoante caput do artigo (“garantir todas as manobras de sustentação da vida”).

A é B

Do cotejo, depreende-se que o campo semântico de ‘urgência’ é mais restrito e totalmente englobado pelo de ‘emergência’, a partir do que se pode afirmar que “toda urgência é emergência, mas nem toda emergência é urgência”.

Assim, da perspectiva lexical, não há efetivamente discriminação entre atendimento médico urgente e aquele emergencial. Na prática, conforme conversa informal com amigos que trabalham em pronto-socorro, especificam-se os casos que podem esperar um “cadinho” mais (urgentes) e aqueles que necessitam de atendimento realmente imediato e são, portanto, prioritários (emergenciais).

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O Enigma da criação

“Good evening! This is the voice of Enigma”

Ainda me lembro como se fosse ontem: Natasha, personagem de Cláudia Ohana na novela global Vamp (entre 1991 e 1992), logo após trocar sua alma por sucesso musical com Conde Vladymir Polanski, personagem de Ney Latorraca, coloca um estéreo no chão da Piazza di San Marco, em Veneza, e aperta o play: “Procedamus in pace/In nomine Christi/Amen”. Era Sadeness (Part 1), e só mais tarde, quando eu ganhasse o vinil da trilha sonora da novela, é que eu finalmente descobriria seu nome e o artista que a produzira.

Desde então, Enigma tem-me sido uma obsessão. Encontrar os álbuns completos (o meu MCMXC a.D. não empresto para absolutamente ninguém), pesquisar o processo de composição, encontrar as letras e o significado dos múltiplos samples, enfim decifrar Enigma.

Que Enigma é esse?

Evolução. Revolução. Inovação. Emoção. Satisfação. Vida. Criação. Mas, acima de tudo, originalidade. Enigma é música que se reinventa a cada álbum, sempre deixando pegadas em seu percurso musical: Sadeness (Part 1), Return to Innocence, Beyond the Invisible, Gravity of Love, Voyageur, Dancing with Mephisto, La Puerta del Cielo.

O homem por trás do Enigma, Michael Cretu, é categórico: “Enigma is not an artist and it’s not a group. It’s a project, an idea” (http://bit.ly/fLqyOl). Reconhecer-se como projeto é não querer se engessar a conceitos cristalizados; é reconhecer a volatilidade das ideias; é permitir-se adaptar-se, transformar-se; é evitar repetir-se enfadonhamente em tentativas desesperadas de eternizar a mudança.

Essa insubmissão a formatos ou gêneros predefinidos, aliada à formação intelectual de Curly MC, epíteto de Michael Cretu – uma referência aos seus cabelos cacheados – confere elasticidade e plasticidade à produção musical de Enigma.

E como se reinventa esse projeto enigmático! Lascívia e cantos gregorianos, cantos aborígenes, letras em sânscrito, vozes hipnóticas, os Carmina Burana e aquela inconfundível sirene (o famigerado “Enigma foghorn”) que abre e fecha todos os álbuns.

Há 20 anos Enigma

Desde o lançamento do primeiro álbum, MCMXC a.D., em 1990, o projeto musical Enigma contabiliza 20 anos de produção que foram comemorados com uma ideia no mínimo engenhosa: criar uma música com a participação dos fãs pela internet nos estágios de produção. O processo, dividido em três partes, começou com a coleta de talentos vocais. Acessando o sítio exclusivo para o projeto, Enigma Social Song (http://bit.ly/hBz51R), os interessados deveriam postar um vídeo com uma composição original.

Como a primeira etapa (Stage 1: Your Voice) peneirava voz, os candidatos deveriam aplicar criatividade na técnica vocal e na essência da composição lírica, visto que o acompanhamento instrumental não era o foco da etapa. Os materiais participantes foram submetidos à aprovação dos internautas e os mais votados foram trabalhados em três diferentes versões, também postas à apreciação dos internautas.

Na segunda etapa (Stage 2:  Your Track), os internautas foram convidados a deliberar acerca das versões elaboradas por Cretu e indicaram aquela de que mais gostaram, além dos intrumentos que gostariam de ouvir na faixa musical colaborativa.

Em 15 de dezembro de 2010 veio à lume o resultado do processo organizado via web e a terceira e última etapa (Stage 3: Our Mix) de criação de uma música conjunta com os fãs: MMX (The Social Song). composição de Alise Ketnere (Fox Lima), Marcelo Amaral Pontello (Mark Joshua), Jérôme Pringault (J. Spring) e Rasa Veretenceviene (Rasa Serra).

Além da criação da faixa musical, os participantes também submeteram trabalhos de design gráfico para a criação da capa oficial do single, e todos os inscritos podem exibir orgulhosamente seu nome creditado no booklet que acompanha o single.

E o Enigma continua

No entanto, a experiência músico-colaborativa não se findou com o lançamento do single. O idealizador do Enigma almeja voos mais altos e recebe agora material para a criação de um videoclipe para MMX (The Social Song). Os requisitos estão listados no sítio exclusivo do evento. Vale a pena visitar o sítio oficial do projeto (www.enigmaspace.com), que pode fornecer muitas pistas acerca do “processo de criação musical Enigma”, em especial o artigo biográfico referente ao álbum Seven Lives many Faces (2008) (http://bit.ly/hTKqFB), não só para a participação no evento colaborativo, mas também para melhor compreensão da obra já publicada.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A revisão textual em tuítes – 2ª compilação

No calor do estrondoso sucesso já no début da primeira compilação de tuítes esquadrinhando a prolixidade e as peripécias da última flor do Lácio, figura pública e ambíguo certame de admiração e ódio, é com vultosa satisfação e uma discreta lágrima no canto do olho que vem à lume A revisão textual em tuítes – 2ª compilação. E no mesmo quimérico esforço de otimizar o conteúdo, nesta nova edição os tuítes foram agrupados por pertinência temática.

Deleitai-vos!

#ampliando_vocabulário

  1. ABREVIAÇÃO: redução do corpo fônico de uma palavra (auto, por automóvel); ABREVIATURA: redução de uma locução a uma sigla (ONU, Unesco, PhD). 5 jan
  2. 'opor' é 'contrapor' e 'apor' é 'justapor'. Compreendido?! rsrs. 5 jan
  3. sobrescritar' é 'sobrescrever' e 'subscritar' é 'subscrever'. Pegou essa também?! rsrs. 5 jan
  4. Cuidado: 'vultoso' é sinônimo de 'volumoso', 'importante', 'muito grande'; agora, 'vultuoso' é o aspecto do rosto congestionado, inchado. 20 jan
  5. 'absolutório': (adj.) que envolve ou contém absolvição; absolutivo#vocabulário. 28 jan

#ortografia

  1. E muçarela ainda é com 'ç', e não 'ss'! 18 jan
  2. 'portfólio' e 'porta-fólio': apesar de http://bit.ly/eHcxah recusar, a ABL autoriza ambas as#grafias (e com #acento) - vide Volp 5. ed. 28 jan
  3. 'performance' é estrangeirismo no português. Aplique grifo, quando usá-la em textos que exigem o vernáculo. #grafia. 28 jan

#acentuação

  1. Terminadas em -r, -i, -n, -l, -u ou -x, as paroxítonas ganham#acento gráfico: éter, âmbar, hálux, fóssil etc. 24 jan
  2. Esta é fácil: TODAS as proparoxítonas recebem#acento gráfico. O desafio é saber reconhecer uma proparoxítona(!). 24 jan
  3. Curiosidade: já reparou que 'proparoxítona' é proparoxítona? #acento. 24 jan
  4. A última palavra de cada verso da música "Construção", de Chico Buarque, é uma proparoxítona. Pode conferir!http://bit.ly/15LlRg #acento 24 jan
  5. Com a #reforma ortográfica,#acento diferencial só em 'pôr' e 'pôde'. Perderam o acento diferencial: 'para', 'pela', 'pelo' e 'polo'. 26 jan
  6. FACULTATIVAMENTE (1) recebem #acento 'fôrma' (substantivo) e 'dêmos' (pres. subj.) #reforma. 26 jan
  7. FACULTATIVAMENTE (2), o pret. perf. ind. recebe#acento, diferindo-se do homógrafo pres. ind. Comparem-se: amámos (pret.) e amamos (pres.). 26 jan

#conjunções_e_afins

  1. Atenção: são corretas as expressões 'à medida que' (proporção) e 'na medida em que' (causa). Outras combinações são consideradas incorretas. 5 jan
  2. Diante de particípio, não estranhe: o correto é 'mais bem' e 'mais mal' – mais bem informado, mais mal visto etc. 6 jan
  3. 'desde' indica origem no passado ("não fumo desde 2000"); 'a partir de', no presente ou no futuro. Na dúvida, use 'de ... em diante'. 18 jan
  4. Atenção: 'se não' expressa condição e é substituível por 'caso não'; 'senão' indica alternativa e é substituível por 'do contrário'. 19 jan
  5. Evite usar 'enquanto que', expressão impertinente ao português. Use apenas 'enquanto'. 20 jan

#hifenização

  1. Os prefixos 'além', 'aquém', 'ex', 'recém', 'sem' e 'vice' SEMPRE se unem COM #hífen à palavra seguinte (ex-presidente, ex-vice-presidente). 21 jan
  2. Espécies botânicas e zoológicas SEMPRE COM #hífen. Comparem-se: 'olho-de-boi' (peixe), mas 'olho de boi' (selo postal). #grafia #reforma. 24 jan

#verbo

  1. 'acreditar', 'supor', 'estimar' e similares pedem subjuntivo: "estima-se que seja grande a concorrência.". 14 jan
  2. Evite a expressão 'é tido como...', pois o verbo ter não admite voz passiva. Substitua-a por 'é considerado...' (sem a conjunção 'como'). 20 jan
  3. Twitter engajado na luta contra o #gerundismo: em vez de ‘vou estar enviando’ (18 caracteres), use ‘envio’ (5) ou ‘enviarei’ (8). #portuga. 24 jan

#trema

  1. Cadê o #trema que estava aqui? A #reforma ortográfica de 1990 tirou. Ah, que pena! Era de uso tão fácil e absoluto, sem nenhuma exceção. 24 jan

#concordância_nominal

  1. Atenção para a #concordância: 'gente' é substantivo feminino singular: "a gente está cansada" (mesmo que envolva elemento masculino). 28 jan

#generalidades

  1. Num restaurante em Uberlândia: "traíra sem espinhos". Nenhumzinho mesmo?! Que bom, assim não espeto o dedo... rsrs. 17 jan
  2. piadinha "dãr": 'voo' e 'diarreia' perderam o acento. Imagine só o drama de se ter uma caganeira num avião em pleno voo. 21 jan

to be continued…

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Unheilig–uma viagem ao mar

Para mim, não foi nenhuma surpresa encontrar a banda Unheilig entre os indicados ao prêmio Best Breaking Act International do Swiss Music Awards 2011 (http://bit.ly/gJrI93). A parceria entre a voz grave e suave de Der Graf e o estilo Neue Deutsche Härte novamente produziram mais um álbum delicioso aos ouvidos, Große Freiheit (2010) – doravante GF – o sétimo da banda alemã de Aachen (Renânia do Norte-Vestfália), em atividade desde 1999, liderada por Bernd Heinrich Graf (Der Graf – O Conde, em portugês) – hoje conta também com Henning Verlage (teclado), Christoph “Licky” Tremühlen (guitarra) e Martin “Potti” Potthoff (percussão).

GF é um álbum ímpar em sua composição. A maioria dos artistas simplesmente agrupa um número x de composições de acordo com o estilo ou um tema, mas sem um certa coesão interna.

Em GF, é muito nítida a ideia que alinha cada faixa entre si e lhe confere um grau de, digamos, desenvolvimento temático, um enredo mesmo, visto que o álbum conta uma história cujos capítulos correspondem às faixas. Tal tipo de aproximação entre composição de um álbum e literatura até então eu só conhecia no Pink Floyd – excetuando-se, por motivos óbvios, óperas, musicais e, talvez, trilhas sonoras.

E a história narrada em GF tem claramente identificados um começo, um meio e um fim. O mar é a grande inspiração de Der Graf e Verlage para as composições do álbum. Trata-se de uma viagem pelo mar, um lançar-se aos braços da liberdade, da grande liberdade (die große Freiheit).

A jornada começa com um chamado ao embarque (Das Meer):

Komm geh mit mir zum Meer

um auf ein Schiff zu geh´n.

Komm geh mit mir zum Meer

um in die Welt zu seh´n. […]

e vai terminar em novas terras (Neuland), faixa instrumental que trabalha “audiossensorialmente” o ouvinte.

Mas o percurso, como no mar, não é linear e envolve reviravoltas e, mais profundamente, toda a viagem é um processo de descobrimento pessoal.

Em Für immer, uma brincadeira gostosa: compartilhar tristezas, ansiedades, sonhos

[…] Weinst Du auch, wenn Deine Welt zerbricht?

Weinst Du? Ich weine mit!

Brauchst Du mich, wenn Du am Abgrund stehst?

Springst Du?

mas, na hora de compartilhar o salto (e aí eu ri fartamente quando ouvi a faixa pela primeira vez, pois me lembrei da famosa maria-vai-com-as-outras),

ICH HALTE DICH!

Adiante, Geboren um zu leben e Unter deiner Flagge são os carros-chefe do álbum, ambas com uma mensagem otimista, do tipo “conte comigo”. Quanto à “mensagem”, Unter deiner Flagge assemelha-se muito a An deiner Seite, faixa do sexto álbum, Puppenspiel (2008).

Já bem no meio do álbum, ou seja, em pleno alto-mar,

oh große Freiheit

ich hab mich nach dir gesehnt

du hast dich in mein Herz geträumt

es ist schön dich wieder zu sehn

e a sensação que se tem é que realmente o mundo é todo seu (“die Welt liegt dir zu Füßen”), basta abrir os braços para recebê-lo.

A viagem perfaz aproximadamente 1 hora, mas o tempo psicológico rende mais, muito mais, para o único personagem dessa viagem, o ouvinte. Der Graf é o narrador de voz maviosa, quase um canto de sereia, que, mediante o recurso de um discurso indireto livre, por vezes se apresenta como um companheiro nessa viagem.

Os videoclipes de Geboren um zu leben e Unter deiner Flagge estão impecáveis. Der Graf, como sempre, histriônico: um regente sem batuta conduzindo uma orquestra invisível.

Na Winteredition de GF, há mais 8 faixas, 3 inéditas (Schenk mir ein Wunder, Auf Kurs e Winterland), 2 outras versões para Winterland, 1 versão em piano para Geboren um zu leben e Unter deine Flagge (a voz de Der Graf já é, de per si, wunderbar, ao som de um piano então…) e uma narração do conto de fadas A Bela Adormecia (Der Graf list „Dornröschen“).

Estou de pleno acordo com um dos comentários postados no Myspace da banda (www.myspace.com/unheilig): com a voz que Der Graf tem, uma música com três ou quatro minutos dura muito pouco. Tem-se vontade de ouvir mais, muito mais. Já dei meu voto para a Unheilig no Swiss Music Awards 2011. Agora é torcer para que haja uma turnê pelo Brasil.

Site oficial da banda: www.unheilig.com

Facebook: www.facebook.com/Unheilig

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Fim.

Eu bato o portão sem fazer alarde
Eu levo a carteira de identidade
Uma saideira, muita saudade
E a leve impressão de que já vou tarde

(Chico Buarque – Trocando em miúdos)

É mister reconhecer que acabou. Simplesmente acabou. Pra que continuarmos fingindo que tudo está bem, quando sabemos que não está. Mas saio de cara limpa e consciência tranquila, na certeza de que fiz até mais do que podia, mais que o necessário, mais que a minha parte. E não, eu nao falhei. Se houvesse mesmo culpa, a mim não caberia. Mas não há culpa, há sim responsabilidade, e a que a mim cabe assumi solenemente, sem pestanejar. E não, eu nao falhei. Fui fiel a nós, mas mais a mim mesmo, ao que sou, ao nome que paciente comigo trago desde que nasci – vencedor.

Gozamos todos de livre-arbítrio. Você fez uso do seu. Que posso eu, senão respeitá-lo? Dizem que quando um não quer, dois não brigam. Verdade absoluta! Por que haveria eu de querer suplantar vontades, tiranizá-las? Eu não quereria o poder sobre todos os livres-arbítrios. Eu não quereria a responsabilidade sobre a felicidade alheia. Eu queria, sim, ser parte da sua felicidade. Via de mão única: não vou tomá-la – talvez eu não tenha tempo hábil de engatar ré e me esquivar de uma rua, quiçá um beco, sem saída.

Mas não vou correu sozinho o caminha que devia ser de dois nem vou (mais) me torturar pondo em minhas débeis costas a responsabilidade que a mim não cabe. Ponhamos as cartas na mesa e em pratos limpos. Acabou.