Ipsis Litteris

Revisão de textos



sábado, 27 de novembro de 2010

Afinal, o que querem as mulheres?

Apesar do horário, estou me divertindo com a minissérie global Afinal, o que querem as mulheres?. A quebra do ritmo linear da história, o figurino, a metalinguagem, as cores fortes, a poesia na fala dos personagens, tudo muito interessantemente combinado para narrar a repercussão de uma tese de doutorado em psicologia. E também abertura não poderia deixar de chamar a atenção: a colagem de recortes de pinturas e fotos e, em especial, a letra da música de abertura, que ricamente abusa da composição por aglutinação e dá forma a cômicos neologismos e uma profusão de mulheres e desejos eróticos que elas suscitam.

Observanessa, perceberenice, arriscamila,
Embromárcia, aproximargareth,
Conversarah, envolverônica, submetereza

Sentirene, conquistarlete, mescláudia,
Lambeatriz, abraçabrina,
Mordenise, amaria, beijanaína

Ligou o nome à pessoa, perdoa, pessoa...

Agradesimone, esclareceleste, buscarmen,
Surtatiana, pensophia
Vacilaura, enciumonique, engolívia

Desejanice, agarraquel, roubárbara,
Ligabriela, esquecelina
Provocarla, concordana, suplicarolina

Ligou o nome à pessoa, perdoa, pessoa...

O uso estilístico da composição como processo de formação de palavras escolhido pelo autor da música aproxima uma determinada mulher de uma determinada ação. A composição por aglutinação vai além: a mulher e a ação se fundem, se misturam, uma é a outra, uma qualifica a outra. O refrão, em tom ambíguo, ao mesmo tempo que reforça essa ligação física mulher-ato, deixa transparecer a tentativa do eu-lírico de falar com "meias palavras" (literal e metafóricamente) a respeito de seus desejos e das mulheres que lhos provocam.

domingo, 21 de novembro de 2010

Sartre explica

Assisti ontem ao documentário Chico Buarque – Vai Passar. Sou louco por Chico. Amo aquelas músicas que cantam a alma feminina.

E ouvir um artista falar de sua própria obra é sempre revelador e, por vezes, desconcertante, pelo menos para os estudiosos da sua obra. No referido documentário, Chico, entre outras coisas, afirma que Apesar de você não foi endereçada a Emílio Garrastazu Médici, presidente do Brasil entre 1969 e 1974; e, respondendo ao questionamento de um estudante, nega que sua obra musical seja cronologicamente divisível em poética e engajada.

A partir de considerações como estas, um sem-número de teorias e estudos perdem seu fundamento, mas não sua legitimidade enquanto possibilidade de interpretação, pois, como sustenta Sartre, em O que é literatura, o objeto literário, segundo Sartre, é como um pião que somente existe enquanto em movimento.

Explico-me. Segundo Sartre, o autor não escreve para si mesmo (o que seria o pior fracasso), mas para os outros. Ao leitor, que deve ser distinto do autor, visto que o ato da leitura implica expectativa, cabe a missão de completar o projeto empreendido pelo autor em sua obra: transformar o mundo e assegurar a liberdade (de existir).

Ora, autor e leitores têm suas próprias experiências de vida (Erlebnis, em termo heideggeriano), o que implica expectativas – que se confirmam ou se refutam – e tomadas de posição dos leitores em relação à obra que leem.

Assim, aceitando-se o fato de que o sentido não é imanente à obra, mas uma relação construída entre autor e leitores e todas as implicações históricas, sociais, culturais etc. etc., pode-se legitimamente relacionar Apesar de você a Médici e, pelo menos, didaticamente, dividir a obra buarquiana segundo critérios poéticos e críticos.